Aprimorando tratamentos oncológicos em meio às contradições e desafios do combate imunológico ao câncer

Pesquisadora da FMRP-USP investiga mecanismos imunológicos e genéticos para desenvolver terapias mais eficazes contra o câncer, com foco em alvos farmacológicos inovadores e tratamentos personalizados. 

por Rogério Bordini

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ntra ano e sai ano o câncer continua sendo uma das principais causas de morte no mundo. Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer), na maioria dos países a doença corresponde à primeira ou segunda causa de morte prematura antes dos 70 anos, sendo o câncer de mama o mais incidente, seguido pelo de pulmão, cólon e reto, próstata e pele não melanoma. “Mas por que ainda não temos uma cura?”, alguém poderia questionar. A resposta não é tão simples, justamente por o câncer se tratar de uma patologia multifacetada e com inúmeras causas.

A tumorigênese, processo pelo qual células normais do corpo se transformam em células cancerosas, pode ser desencadeado por vários fatores, como mutações genéticas (herdadas ou adquiridas), que interrompem o crescimento e a divisão normais das células. Essas mutações podem ocorrer devido à exposição a agentes cancerígenos, como radiação, luz UV, produtos químicos e vírus, bem como a fatores de estilo de vida, como tabagismo, dieta inadequada e sedentarismo. Além disso, o envelhecimento também contribui ao risco de câncer, em decorrência do declínio natural de nossa imunidade, conhecido como imunossenescência.

A boa notícia é que pesquisadores vêm dedicando esforços para entender a doença, além do aprimoramento de medicamentos que possam oferecer tratamentos mais eficazes e personalizados a pacientes oncológicos. Esse é o caso da pós-doutoranda Daniela Coelho dos Santos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), orientada pelo Prof. Dr. José Carlos Farias Alves Filho, membros do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO). Ela tem trabalhado em duas frentes de pesquisa: no melhor entendimento tanto das funções pró e antitumorais de células do sistema imune quanto nas mutações genéticas via indução de tumores.

Mulher de cabelos loiros utilizando um jaleco branco e luvas rosas na frente de uma bancada onde há produtos e equipamentos para experimentos biológicos.
A pesquisadora Daniela dos Santos vem explorando mecanismos imunológicos e genéticos para criar terapias mais eficazes contra o câncer (Foto: Rogério Bordini).

As dualidades de células imunes no favorecimento ou embate a tumores

Em um de seus projetos, Santos tem investigado a influência pró-tumoral de uma proteína chamada anfiregulina, também conhecida como AREG, que faz parte da família do receptor de crescimento epidérmico (EGF) e tem papel crucial em cicatrizações e manutenção do equilíbrio do organismo. “Em certos tipos de câncer, observa-se um aumento significativo dessa proteína, o que pode estar associado a uma previsão desfavorável da doença. Como o mecanismo pelo qual o AREG é aumentado no ambiente tumoral ainda não está esclarecido, meu objetivo é identificar se as células de defesa do nosso corpo, contribuem aumentando ou diminuindo os níveis de AREG”, explicou a pesquisadora em entrevista ao podcast Imuno Agentes.

E o grupo da FMRP-USP já obteve algumas pistas nesse sentido. Por exemplo, alguns tipos de leucócitos podem aumentar a produção de AREG quando estimulados. Tal processo pode ocorrer em situações de danos nos tecidos, sinais inflamatórios e disfunções metabólicas relacionadas à obesidade, nas quais a AREG auxilia na inflamação, na reparação de tecidos e equilíbrio metabólico (homeostase). Assim, um aumento de AREG pode contribuir para o aumento do câncer ao estimular a proliferação, sobrevivência e invasão das células tumorais, além de promover um microambiente favorável e comprometer as respostas imunológicas antitumorais.

Para compreender melhor esses mecanismos, Santos investigou uma cultura de células imunológicas in vitro para verificar se produziriam AREG e por meio de quais estímulos. Com a produção confirmada, a pesquisadora trabalhou com dois grupos de camundongos com tumores de cólon induzidos: um com modificação genética (experimental) e outro sem modificação (controle) – também conhecidos como wild type (selvagens comuns). O grupo controle consistiu em animais considerados “nocaute condicional” (KO), ou seja, que não expressavam AREG apenas nas células imunológicas investigadas. Ao trabalhar com esses camundongos condicionais, é possível comparar a influência do AREG nestas células e analisar como elas contribuem ou não para o crescimento tumoral.

O objetivo final do projeto é identificar um alvo farmacológico por meio de um inibidor de AREG em combinação com quimioterapia para melhorar a resposta ao tratamento. No entanto, Santos possui longo caminho pela frente. Neste momento, ela e sua equipe buscam melhor compreender o perfil de cada população imunológica e seu papel com AREG dentro do microambiente tumoral.

Em busca de novos alvos farmacológicos ao câncer colorretal

O segundo projeto de Santos visa estabelecer um modelo de câncer colorretal em camundongos, utilizando uma abordagem instantânea – isto é, via mutações genéticas específicas – em vez dos métodos químicos convencionais, geralmente usados em pesquisas. O diferencial do novo modelo pretendido está na utilização de camundongos com mutações condicionais, associadas ao câncer colorretal humano. “Esta abordagem visa simular de forma mais precisa as condições genéticas encontradas em populações mais jovens e saudáveis, que têm desenvolvido a doença de forma preocupante nos últimos anos, sobretudo devido a mutações genéticas”, alerta a pesquisadora.

Imagem mostrando o sistema digestório e reprodutor exibindo o que seria um caso de câncer colorretal
Casos de câncer colorretal entre populações mais jovens têm chamado a atenção de especialistas. (Fonte: Blausen Medical Communications, Inc.)

Nos últimos 30 anos houve um aumento significativo nos casos de câncer cólon e reto entre pessoas mais jovens e saudáveis, abaixo dos 50 anos, um grupo tradicionalmente não considerado de alto risco para essa doença. Estudos apontam possíveis causas para essa maior incidência: mudanças drásticas nos estilos de vida (transição de uma sociedade rural para urbana), dieta dominada por alimentos ultraprocessados e aumento do sedentarismo. Sobrepeso, obesidade e uso indiscriminado de antibióticos também foram apontados como fatores contribuintes, mas outras investigações ainda precisam ser feitas.

Assim, como a pesquisa de Santos busca desenvolver um tipo de tumor cujo processo se assemelha ao que ocorre geneticamente em humanos, isso ajudará a aprimorar e padronizar o processo de indução tumoral, um desafio recorrente na área oncológica. O  próximo passo da pesquisa incluirá uma análise detalhada em nível celular utilizando técnicas para identificar vias moleculares que podem ser alvos potenciais para tratamentos farmacológicos direcionados.

Tais alvos farmacológicos poderão ser explorados em terapias de quimioterapia e imunoterapia (ou combinações destas), para melhorar os resultados no tratamento do câncer colorretal. Esse estudo não apenas poderá representar um avanço na compreensão do câncer colorretal, mas também abre perspectivas para o desenvolvimento de tratamentos alinhados com as características genéticas individuais dos pacientes.

Ambas as pesquisas de Santos estão sendo acompanhadas e novos resultados serão publicados em nosso site.

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 🌐 Acompanhe e converse com os pesquisadores:

 

  • Prof. Dr. José Carlos Farias Alves Filho (orientador e coordenador de subprojeto CRIO)

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