Explorando o impacto imunológico da covid-19 em diferentes tipos de câncer

Pesquisador explora possível ligação entre a resposta imunológica de pacientes com câncer e os desfechos clínicos variados da covid-19. 

A

pandemia de covid-19 deixou marcas duradouras e ainda é tema recorrente de pesquisas e discussões globais. Além das vacinas, houve esforços científicos para entender o impacto da doença em várias áreas da vida, incluindo saúde mental, social, física, profissional e econômica. 

Imagem de Flávio Pignataro Oshiro, pesquisador do A.C.Camargo Cancer Center e do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO)
Pesquisador Flávio Pignataro Oshiro

Flávio Pignataro Oshiro, doutorando em Imuno-oncologia no A.C.Camargo Cancer Center (ACCCC), em colaboração com o Centro de Pesquisa em Imuno-Oncologia (CRIO), concentrou seus estudos em pacientes oncológicos, um dos grupos mais afetados pela pandemia. Fatores como alta chance de contaminação em hospitais, vulnerabilidade do sistema imunológico e interferências no tratamento do câncer em caso de infecção pelo vírus, são condições que deixaram tais pacientes entre os principais grupos de risco. 

Um estudo publicado no início de janeiro de 2023 conduzido por Oshiro e colaboradores do CRIO, ACCCC e Universidade Federal de Minas Gerais no período mais crítico da pandemia (2020 a 2022), procurou entender a resposta imunológica de pacientes oncológicos com covid-19 e como ela se relaciona com a severidade da doença. Além de informações sobre o grau de severidade da covid-19 (leve e grave), foram coletadas amostras de sangue de pacientes sob tratamento no ACCCC, como dados sobre o período de hospitalização e início dos sintomas. Os pacientes foram divididos em dois grupos: os com tumores sólidos (que afetam órgãos como próstata, mama, pulmão, cólon, etc) e os com tumores hematológicos (que afetam principalmente o sangue, como leucemias e linfomas). 

De acordo com Oshiro, essa divisão dos participantes foi realizada com base em estudos anteriores que demonstraram resultados clínicos distintos em pacientes com câncer e covid-19. “A gente sabe que os tumores hematológicos são um dos que deixam o paciente mais suscetível não só à covid grave, mas a outras infecções virais que podem se tornar mais severas. Leucemias e linfomas vão atuar exatamente nas células do sistema imunológico, ou seja, nas células de defesa do nosso organismo. Então é como se a defesa do nosso organismo já não estivesse funcionando da forma como deveria”, comentou o pesquisador em entrevista ao podcast Imuno Agentes. 

A análise das amostras de sangue realizada pelos pesquisadores mensurou a quantidade de agentes imunológicos e anticorpos contra o SARS-CoV-2 (vírus responsável pela covid-19) presentes nos primeiros dias após o diagnóstico positivo da infecção. Além disso, esse procedimento incluiu uma avaliação dos fatores imunológicos para identificar quais pacientes poderiam desenvolver a forma grave da doença e apresentar maior risco de óbito, em contraste com aqueles com maiores chances de recuperação. 

Diferenças nas respostas imunes entre pacientes com tumores sólidos e hematológicos 

Os resultados iniciais indicaram alguns cenários da reação do sistema imunológico frente à infecção pelo coronavírus. Pacientes com tumores hematológicos e covid-19 severa apresentaram uma resposta imune exacerbada, com baixas contagens de células imunes, baixa produção de anticorpos, e níveis elevados de diversas citocinas (proteínas produzidas pelas células, capazes de influenciar a resposta imune), em comparação com aqueles que apresentaram covid-19 leve. Por outro lado, pacientes com tumores sólidos e covid-19 severa apresentaram aumento em apenas duas citocinas, IL-6 e IL-8, frequentemente encontradas em fases iniciais de processos infecciosos. A produção elevada da citocina IL-8 foi associada à maior probabilidade de óbito pela covid-19 em pacientes oncológicos no geral.

Imagem que mostra a produção de moléculas de defesa, tipos de cânceres e tipos de covid-19
Diferenças na produção de anticorpos entre pacientes oncológicos (tumores sólidos e hematológicos) com covid-19 leve e grave (óbito). Cortesia: Flávio Oshiro.

Os autores sugerem que essas diferenças na resposta imunológica possam ajudar a explicar a variabilidade na severidade dos sintomas de covid-19 em pacientes com câncer, mas ressaltam que uma investigação mais detalhada sobre o papel das células imunes é necessária. Também destacam a importância de monitorar cuidadosamente a resposta imunológica dos pacientes oncológicos com covid-19 para ajudar a personalizar o tratamento e melhorar os resultados clínicos.  

Uma resposta imune pouco regulada é característica marcante dos casos de covid-19 severa.

Um dos casos mais emblemáticos é a imunoterapia, que se tornou um ponto de estudo importante no contexto de pacientes com câncer e covid-19, já que existe grande influência do sistema imunológico em ambos os casos. “A imunoterapia, ao invés de ter como alvo as células tumorais, atua nas células de defesa do corpo para auxiliá-las a combater o câncer. Dessa forma, ela contrapõe algumas estratégias utilizadas pelas células tumorais para suprimir a resposta imune”, comentou Oshiro. 

Outro fator de importância é o próprio vírus, já que o SARS-CoV-2 pode sofrer mutações ao longo do tempo, gerando novas variantes – a mais atual, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a EG.5 (também chamada Éris), da mesma linhagem da Ômicron. Apesar de uma avaliação da OMS afirmar que a nova cepa não representa riscos de uma nova crise sanitária mundial, é fundamental que médicos oncologistas acompanhem de perto as diferentes mutações do coronavírus. Eles ainda devem orientar seus pacientes a manterem as vacinas atualizadas, considerando os aspectos do tratamento oncológico administrado. 

Em busca de novas pistas 

Oshiro relata que um fator limitante do estudo foi o número de participantes que impediu maior assertividade dos resultados e ressalta a importância da participação de voluntários nessas investigações: “Quanto maior o número de participantes, melhor são as afirmações que podemos fazer. (…) No caso de câncer hematológico, existem linfomas e leucemias, que são diferentes, que afetam células diferentes. O mesmo acontece com os diferentes tipos de tumores sólidos para cada órgão. Então, quanto mais homogêneo é o grupo [da pesquisa], mais fácil de encontrarmos esses padrões”, comentou o pesquisador. 

O trabalho de Oshiro destacou a possibilidade de que alguns mediadores imunes podem ser eventualmente utilizados para prever doenças severas e óbito em pacientes com câncer e infecções virais. Ademais, a pesquisa acena para a necessidade de estudos mais amplos, como investigar o impacto dos tratamentos contra o câncer na resposta imunológica à covid-19, analisar a resposta imune ao longo do tempo e incluir grupos controle de indivíduos oncológicos sem covid-19. Isso ajudaria a determinar se a resposta imune observada em pacientes com a forma grave da doença é específica do vírus ou uma característica geral dos pacientes com câncer. 

_____

Que saber mais?

🎧 Ouça a entrevista completa no Imuno Agentes Podcast:
Como a covid-19 pode afetar pacientes oncológicos – com Flávio Oshiro 

🌐 Deseja conversar com o pesquisador? 

 

Categorias