A MasSpec Pen é um dispositivo que possibilita a identificação rápida de tecidos cancerígenos. A tecnologia, importada em parceria com o CRIO, permitirá que cirurgiões tomem decisões mais assertivas na remoção de tumores e preservação do tecido sadio.
por Rogério Bordini
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em formato, jeito e mesma pegada, só não escreve – ao menos não como imaginamos. A palavra “caneta” (pen) no nome MasSpec Pen foi escolhida a dedo pela cientista brasileira Livia Eberlin em 2017 na Universidade do Texas para batizar seu invento. Com aparência e praticidade de um marca-texto, a tecnologia auxilia cirurgiões na detecção de cânceres com até 96% de acerto. E a boa notícia é que o dispositivo, em desenvolvimento pela MS Pen Technologies, em breve estará nas mãos de médicos e pesquisadores brasileiros, ainda em 2024.
Gustavo Gonçalves, pós-doutorando do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO) orientado pelo diretor do grupo, Kenneth Gollob, neste ano conheceu a tecnologia de perto no laboratório da Eberlin na Baylor College of Medicine, em Houston, Texas. “A caneta permite coletar moléculas da superfície de tecidos e identificá-las por espectrometria de massa (EM), técnica que detecta e quantifica moléculas com base em suas razões de massa e carga. Ao analisar os íons destas amostras, é possível distinguir entre tecido saudável e tumoral durante cirurgias, além de áreas limítrofes. Neste processo, são utilizados classificadores estatísticos para garantir a precisão na identificação do tecido em tempo real”, comentou em entrevista ao podcast Imuno Agentes.
A visita técnica de Gonçalves à instituição no Texas foi motivada por uma parceria entre o patologista clínico Carlos Ferreira do Einstein, Gollob e Eberlin, visando a utilização pioneira da tecnologia no Brasil na identificação molecular em tempo real no ambiente intraoperatório. A implementação da MasSpec Pen pode também permitir resultados ainda não observados considerando o biotipo de brasileiros. “A diversidade genética da população brasileira, resultante da mistura de raças africanas, europeias e indígenas e outras, pode levar à identificação de moléculas e classificadores que não foram observados em populações do Hemisfério Norte, onde os estudos iniciais foram realizados. Daí a necessidade de validar a técnica no Brasil para identificar possíveis diferenças e garantir que os resultados sejam aplicáveis e eficazes para pacientes daqui”, informou Gonçalves.
Além de lidar com as questões éticas relacionadas com a pesquisa científica em humanos (via Plataforma Brasil) e dos assuntos legais referentes à importação da MasSpec Pen, o pesquisador também contribui na preparação e adequação do centro cirúrgico no Einstein para receber a nova tecnologia. Ele ainda coordena com os cirurgiões participantes da pesquisa e conduz as análises que serão realizadas tanto no ambiente intraoperatório quanto no laboratorial.
Uma tecnologia de ponta – literalmente
Uma das vantagens do uso da caneta, ao invés de métodos convencionais de EM, se baseia em sua ergonomia que permite o posicionamento da ponta diretamente no tecido de interesse, o que torna a coleta de amostras mais intuitiva, sendo prontamente direcionada ao espectrômetro sem etapas de separação. Além disso, ela realiza uma extração não invasiva de moléculas da superfície do tecido, utilizando uma gotícula de água ultrapura, o que não interfere na estrutura e organização tecidual, permitindo que a mesma área analisada seja direcionada para biópsia. Outro aspecto baseia-se na capacidade de realizar análises in-vivo em tempo real. Ao contrário dos métodos tradicionais que exigem a extração e processamento de amostras em laboratório, a MasSpec Pen realiza a identificação imediata de um grande repertório molecular nos tecidos dos pacientes. Graças a algoritmos de aprendizagem de máquina, inteligência artificial e análises estatísticas robustas, é possível validar as identificações.
“A importância de testar a MasSpec Pen com a população brasileira reside na necessidade de entender como o comportamento molecular pode variar entre diferentes grupos étnicos.
Mas aqueles que esperam andar por aí com a caneta no bolso, terão dificuldades em carregá-la – por enquanto o sistema completo pesa aproximadamente 400 kg. “Embora o dispositivo dependa de um grande EM para seu funcionamento, a possibilidade de deslocá-lo para salas cirúrgicas é algo por si só inovador, considerando que equipamentos assim são complicados de mover. A MasSpec Pen é montada em um carrinho móvel que possui suporte de energia elétrica e gás, facilitando seu deslocamento, mesmo em condições desafiadoras como elevações e rotações”, compartilhou Gonçalves que, junto de especialistas, está preparando as condições para transporte do equipamento no Einstein.
Além disso, o pesquisador menciona a validação do desempenho do equipamento durante o transporte, destacando que, apesar das vibrações durante a movimentação, o aparelho mantém um bom comportamento analítico quando está estacionado de volta à sala cirúrgica. A equipe de Eberlin também tem estudado a possibilidade de um design mais compacto para o futuro, a fim de otimizar o uso do equipamento em salas de cirurgia, que geralmente têm espaço limitado.
Contribuições à imuno-oncologia e futuro
A chegada da MasSpec Pen ao Einstein também permitirá ao CRIO aprofundar investigações no campo da imuno-oncologia. Como o EM permite identificar citocinas, quimiocinas e outras moléculas que modulam a atividade tumoral, a caneta ajudará a entender o microambiente do tumor e a buscar biomarcadores que participam da resposta imunológica. Gollob liderará esta investigação colaborativa com o grupo de Eberlin, focando na análise do ambiente imunológico, além de diferenciar tecido saudável de cancerígeno e investigar a resposta imunológica sistêmica e tumoral de pacientes voluntários do hospital.
Além disso, a possibilidade futura de utilização da MasSpec Pen no SUS e para fins comerciais revela um interesse crescente em expandir a tecnologia. A MS Pen Technologies, empresa da qual Eberlin é cofundadora, busca implementar a caneta de forma mais abrangente em hospitais ao redor do mundo, visando aumentar a variabilidade na detecção de alvos de interesse. “Embora o equipamento ainda exija operadores especializados e esteja em processo de aprovação pelo FDA (Food and Drug Administration) [agência dos EUA que regula alimentos, medicamentos e dispositivos médicos], uma vez validado, acredito que abrirá portas para sua adoção global, o que pode incluir o SUS. Além disso, essa validação poderá fomentar colaborações comerciais que facilitarão sua comercialização e integração nas práticas cirúrgicas”, conclui Gonçalves.
Embora Eberlin e seu grupo ainda tenham um longo caminho para novos testes e refinamentos, a MasSpec Pen tem mostrado eficácia na detecção de diversos tipos de câncer, permitindo não apenas identificar a presença da doença em relação ao tecido saudável, mas também diferenciar entre tipos de tumores. Um exemplo é a sua aplicação na identificação de cânceres da tireoide, em que a separação visual entre tecido da tireóide, paratireóide e linfonodos é desafiadora a cirurgiões. Estudos publicados já demonstraram a boa sensibilidade da tecnologia em classificar esses tecidos, possibilitando a diferenciação entre o que é glandular e linfonodo, além de permitir a identificação do tipo específico de câncer presente.
A importação e implementação da MasSpec Pen no Einstein estão sendo viabilizadas por grande equipe de pesquisadores de diferentes especialidades e setores da instituição: Dr. Carlos Ferreira (Diagnóstico), Dr. Claudio Cernea e Dr. Ricardo Terra (Cirurgia), Luiz Vicente Rizzo (Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento) e departamentos de Inovação. Para ficar por dentro das pesquisas que serão conduzidas pelo CRIO com o dispositivo, não deixe de acompanhar as notícias em nosso site.
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Dr. Gustavo Gonçalves (pós-doutorando)
- E-mail: gustavo.goncalvess@einstein.br
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Dr. Kenneth Gollob (supervisor e diretor CRIO)
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