Entendendo o câncer mais silencioso entre as mulheres

O câncer de ovário é um dos mais discretos e letais, com sintomas vagos. Autoconhecimento corporal, acompanhamento médico e testes genéticos ainda são as melhores formas para prevenir e lidar com a doença.

A Imagem mostra a pós-doutoranda do centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO), Marina Pavanello, em laboratório vestindo jaleco, ao lado de um equipamento que parece ser um microscópio.
Em sua pesquisa, Marina Pavanello, busca identificar biomarcadores que possam aprimorar a eficácia de tratamentos ao câncer de ovário. Imagem: Juliana Apostólico.

É

consenso que levar uma vida saudável e manter os exames médicos em dia são as melhores medidas para o aumento da longevidade e prevenção de doenças. Mas em alguns casos, esses cuidados louváveis podem não ser suficientes. A atenção minuciosa a pequenos sinais de nosso corpo, internos e externos, torna-se essencial para identificação precoce de neoplasias de difícil detecção e tratamento, como cânceres ginecológicos – colo uterino, ovário, endométrio, vagina e vulva, em ordem de incidência.

Marina Pavanello, pós-doutoranda do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia sob orientação do Dr. Kenneth Gollob (diretor CRIO), ressalta a importância do hábito da auto-observação como principal forma de prevenção a tais tumores, que já acometeram cerca de 30 mil brasileiras, segundo dados do INCA 

O câncer de ovário, objeto de pesquisa de Pavanello sobre a eficácia da imunoterapia, tende a se manifestar silenciosamente. “O grande desafio é que sintomas que toda mulher sente podem ser indícios desse câncer”, alerta a pesquisadora em entrevista ao podcast Imuno Agentes. Inchaço abdominal, saciedade precoce, perda de apetite, emagrecimento rápido e aumento da vontade de urinar são sinais que podem passar despercebidos e resultar em um diagnóstico tardio. Assim, a atenção vigilante torna-se crucial. 

Além dos sintomas pouco evidentes, a imprevisibilidade da doença pode estar relacionada à predisposição genética, especialmente mutações hereditárias em genes específicos. Outros fatores de risco incluem idade avançada, o uso de reposição hormonal após a menopausa (principalmente em mulheres com mais de 50 anos), tabagismo e excesso de peso, embora estes últimos tenham menor relevância. 

Embora as neoplasias ovarianas sejam relativamente incomuns, sendo a nona mais incidente entre as mulheres no mundo em 2020, correspondendo a 3,60% de todos os cânceres femininos, elas apresentam altas taxas de mortalidade, com 3.920 óbitos no Brasil em 2020, equivalendo a 3,62 mortes para cada 100 mil mulheres. 

Acompanhamento médico e possíveis caminhos pós-diagnóstico 

Em caso de sintomas, Pavanello aconselha procurar atendimento ginecológico, que poderá solicitar exames de sangue, incluindo a medição do biomarcador CA-125, indicador de possíveis doenças, e, eventualmente, recomendar exames de imagem, como ultrassom. 

Entretanto, ao consultar um médico com dores inespecíficas e sintomas pouco claros, a pesquisadora destaca a possibilidade de a realização desses exames ser demorada. “Tais procedimentos não fazem parte de uma rotina padrão, ao contrário do exame de Papanicolau, que identifica o HPV e é considerado um fator de risco elevado para o câncer de colo uterino, por exemplo”. 

Tratamentos disponíveis e perspectivas futuras 

Dentre os tratamentos possíveis para o câncer de ovário, a cirurgia para remoção dos ovários, trompas de falópio e útero ainda é o procedimento padrão, seguido de ciclos de quimioterapia intravenosa. Em casos de mulheres jovens que desejam preservar a fertilidade, a abordagem cirúrgica pode variar, incluindo técnicas como transposição uterina e a coleta extracorpórea de óvulos, realizada com a tecnologia robótica. No entanto, a proximidade de órgãos pode trazer riscos devido à capacidade de disseminação do câncer.

Novas opções de tratamento ao câncer de ovário são cruciais, pois o sucesso depende das características moleculares específicas do tumor. É fundamental conduzir pesquisas simultâneas para encontrar soluções mais direcionadas e acessíveis.

Novas abordagens estão sendo testadas, como a hormonoterapia, que utiliza medicamentos para bloquear o estrogênio, hormônio que alimenta o crescimento de células de câncer de ovário. O quimioterápico bevacizumabe, disponível no SUS, é uma droga que bloqueia a formação de novos vasos sanguíneos, interferindo no desenvolvimento do tumor. A recente aprovação do niraparibe (GSK) e Lynparza® também indicam avanços no tratamento. No entanto, os altos custosm desses medicamentos ainda limita o acesso. 

Imunoterapia como possível tratamento 

O campo da imuno-oncologia tem despertado interesse de oncologistas ginecológicos, em função dos resultados promissores no tratamento de diversos cânceres nos últimos anos. No caso do câncer de ovário, embora haja três imunoterápicos aprovados, incluindo o bevacizumabe e inibidores de checkpoint, seu uso clínico ainda não é totalmente implementado devido à necessidade de mais evidências experimentais de sua eficácia. 

Pavanello explica que a dificuldade do uso da imunoterapia no tratamento desse câncer reside em diversos fatores. Um deles relaciona-se ao ambiente ao redor do tumor (chamado de microambiente tumoral) que “desliga” a capacidade de defesa do nosso corpo, dificultando a ação da imunoterapia. Além disso, a quantidade de mutações genéticas no tumor também afeta a eficácia do tratamento. Com mais de 70% das pacientes sofrendo recidiva nos primeiros três anos, as segundas linhas de tratamento mostram-se pouco eficazes. 

E essa tem sido a missão da pesquisadora. Em seu projeto junto ao CRIO, ela planeja conduzir uma análise comparativa entre pacientes que respondem bem e aquelas com respostas menos favoráveis ao tratamento convencional do câncer de ovário (cirurgia seguida de quimioterapia). “A ideia de estudar o perfil imune das pacientes que não respondem a esse tratamento é justamente tentar encontrar novos alvos, uma vez que as imunoterapias hoje aprovadas trazem poucos benefícios. Além disso, visamos a descoberta de biomarcadores destas pacientes que respondam melhor às novas drogas que venhamos a testar”. 

A pesquisa está em fase de rastreamento e recrutamento de pacientes para iniciar os experimentos, cujos desdobramentos serão acompanhados e compartilhados em nosso site.

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Que saber mais?

🎧 Ouça a entrevista completa no Imuno Agentes Podcast: 

 

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