A pesquisa sobre interações entre o sistema imunológico e câncer do colo do útero, além de suas implicações no tratamento, foi premiada na categoria Pesquisa em Oncologia, conquistando a primeira colocação.
por Rogério Bordini
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o dia 08 de agosto, o Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO) subiu ao palco do auditório do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) para receber o XV Prêmio Octavio Frias de Oliveira, reconhecimento do Grupo Folha que desde 2010 incentiva a produção de ciência sobre prevenção e combate ao câncer no Brasil. A pesquisa vencedora, publicada na revista Scientific Reports (Nature) e conduzida por pesquisadores do CRIO (Einstein), Instituto Mário Penna e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou características no organismo de mulheres com câncer cervical localmente avançado que podem ajudar a prever a resposta ao tratamento.
Kátia Morais, pesquisadora experimental do CRIO/Einstein e uma das primeiras autoras do trabalho, ao lado de Patrícia Rocha Martins (Mário Penna/UFMG), recebeu a láurea de Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha. “Estou extremamente feliz com esse reconhecimento. Acredito que é um momento que afirma a importância da ciência para a sociedade brasileira. Espero que venham muitos mais momentos com esse, que as pesquisas possam continuar e que resultem em benefício para os próprios pacientes oncológicos”.
Paulo Guilherme Salles, pesquisador do Instituto Mário Penna e um dos coordenadores do estudo, marcou presença na solenidade. “Parabenizo os demais trabalhos finalistas, que são pesquisas de excelência. As contribuições de nosso estudo visam reduzir os custos financeiros e emocionais das pacientes que enfrentam a expectativa de um tratamento que pode não ser eficaz. Com isso, ganhamos tempo, proporcionamos mais conforto e diminuímos despesas. Cada centavo economizado pode fazer diferença”, comentou.
Também foram vencedores da 15ª edição do prêmio os pesquisadores do Hemocentro de Ribeirao Preto (USP) na categoria Inovação Tecnológica em Oncologia. O estudo, representado pela autora Virgínia Picanço e Castro na ocasião, visou potencializar células NK (natural killers) do sistema imune contra tumores por modificação genética, mostrando efeito antitumoral superior. Já na categoria Personalidade de Destaque em Oncologia, Gilberto Schwartsmann, membro da Academia Nacional de Medicina e professor pesquisador do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, foi agraciado pelas suas contribuições para uma educação médica mais humanizada e fomento à investigação de compostos antineoplásicos inovadores.
Prevendo respostas terapêuticas ao câncer cervical
O câncer cervical, também conhecido como câncer do colo do útero, é o terceiro mais incidente entre mulheres no Brasil, com estimativa de 17.010 novos casos para cada ano do triênio de 2023 a 2025, segundo o Instituto Nacional do Câncer. A doença, que se origina nas células da cérvix, parte inferior do útero que se conecta à vagina, é frequentemente associada à infecção pelo papilomavírus humano (HPV), transmitido principalmente por meio de relações sexuais sem proteção. Quando exposto ao HPV, o sistema imunológico geralmente impede que o vírus cause danos, mas em algumas pessoas o patógeno sobrevive por anos, contribuindo para a transformação de algumas células cervicais cancerígenas.
O risco de câncer cervical pode ser reduzido por meio de exames preventivos (Papanicolau) e da vacina contra o HPV, que desde 2023 está sendo aplicada em dose única nas unidades básicas de saúde (SUS). Em casos de formação tumoral, o procedimento padrão ocorre por meio de remoção por cirurgia. Outros tratamentos podem incluir medicamentos, quimioterapia, terapia direcionada e radioterapia. Em alguns casos, radioterapia e quimioterapia podem ser combinadas em baixa dose.
O estudo premiado analisou o perfil imunológico de 73 mulheres com câncer de colo do útero antes de receberem quimioterapia e radioterapia. Pacientes que responderam ao tratamento (34) tinham mais células de defesa do corpo, chamados de linfócitos infiltrantes de tumores (TILs), bem como um perfil imunológico sanguíneo distinto em comparação aos que não responderam (39). Esses achados sugerem que a quantidade e localização de TILs no tumor e o perfil imune sanguíneo podem servir como biomarcadores para prever a eficácia do tratamento para o câncer cervical.
“Nosso estudo identificou sinais imunológicos que podem auxiliar médicos na elaboração de tratamentos personalizados, tornando-os mais eficazes e acessíveis. Nossas descobertas também indicam que novos medicamentos podem aumentar o sucesso do tratamento e prever a resposta de pacientes (Kenneth Gollob)
Os próximos passos da pesquisa incluem investigar marcadores imunológicos em pacientes que responderam bem e aquelas que não responderam ao tratamento, visando identificar preditores de sucesso. “A pesquisa em andamento no CRIO tem como objetivo transformar essas descobertas em tratamentos práticos, proporcionando às pacientes com câncer do colo do útero um atendimento melhor e mais personalizado. Apreciamos profundamente a colaboração com nossos colegas do Instituto Mário Penna, UFMG e os pacientes voluntários que tornaram essa pesquisa possível”, disse Kenneth Gollob, diretor do CRIO e também coordenador do trabalho vencedor.
Também será fundamental aumentar o número de participantes nos estudos futuros e estender o período de acompanhamento para coletar dados sobre os efeitos a longo prazo. Explorar combinações de tratamentos para pacientes que não respondem bem, além de considerar fatores genéticos e de estilo de vida, pode resultar em planos de tratamento mais personalizados. Por fim, desenvolver modelos preditivos com base em perfis imunológicos ajudará os médicos a tomar decisões mais informadas. Esses passos visam aprimorar a compreensão do câncer cervical e as opções de tratamento disponíveis.
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🌐 Acesso ao estudo premiado:
“Linking tumor immune infiltrate and systemic immune mediators to treatment response and prognosis in advanced cervical cancer”: https://www.nature.com/articles/s41598-023-49441-2