Nos bastidores da pesquisa pré-clínica em imunoterapia

Das análises in vitro aos testes com camundongos, pesquisadora compartilha os procedimentos na criação de uma plataforma usando amostras de tumores de pacientes para testar a eficácia de tratamentos de imunoterapia.

Imagem de Jaqueline Fernandes, pós-doutoranda do Einstein em laboratório trabalhando em uma amostra de cultura celular
Jaqueline Fernandes, pós-doutoranda no Einstein e membro CRIO: pesquisa pré-clínica visa criar plataforma de amostras de tumores para testar a eficácia de tratamentos de imunoterapia. Foto: Rogério Bordini

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ntibióticos, analgésicos, anticoagulantes, anestesias, antivirais, etc. Quando compramos um remédio na farmácia, raramente nos questionamos sobre sua jornada até chegar às prateleiras. Da mesma forma, em hospitais, os farmacêuticos têm acesso a uma variedade de medicamentos para tratar doenças, controlar sintomas e realizar procedimentos médicos. Na esfera oncológica recentemente tivemos avanços no acesso e eficácia de medicamentos, como na imunoterapia. Por exemplo, tanto o nivolumabe quanto o pembrolizumabe em 2020 foram incluídos no rol de tratamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para melanoma. Já em 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) também aprovou o pembrolizumabe para tratamento adjuvante do câncer de pulmão. 

Apesar disso, poucos conhecem o processo de criação, testagem e disponibilização desses medicamentos até chegarem nos hospitais ou em nossas caixinhas de remédios. Para tanto, Jaqueline Cristina Fernandes, pós-doutoranda no Einstein sob orientação do Dr. Kenneth Gollob e membro do Centro de Pesquisa em Imuno-oncologia (CRIO), nos ajuda a entender esse processo. Ela está conduzindo uma pesquisa para estabelecer uma plataforma usando modelos de câncer derivados de pacientes, focando na validação de alvos específicos para imunoterapia. 

“O objetivo do meu projeto é implementar no laboratório modelos pré-clínicos, envolvendo tanto o trabalho com células (in-vitro) quanto a utilização de modelos murinos, com camundongos (in-vivo). A relevância desses modelos pré-clínicos reside na capacidade de realizar testes antes da aplicação em pacientes, permitindo a investigação da ação e segurança da molécula em ambiente laboratorial”, explica Fernandes em entrevista ao podcast Imuno Agentes.   

O trabalho de quem está na bancada 

Segundo a ANVISA, o processo de registro de novos medicamentos necessita passar por uma série de etapas, começando pela fase não-clínica, a qual permeará toda a pesquisa de Fernandes, desde o cultivo das amostras em laboratórios até os testes em camundongos. 

Os tipos tumorais da pesquisa centram-se inicialmente em câncer colorretal, pulmonar e de cavidade oral, com amostras de fragmentos de tumor e sangue, já coletados no CRIO. “Pretendemos compreender por que alguns pacientes não respondem eficazmente aos tratamentos e imunoterapias, enquanto outros enfrentam eventos adversos”, diz. Além disso, a pesquisadora optou por utilizar linhagens celulares imortalizadas para estabelecer seu modelo no laboratório, permitindo testes preliminares antes de avançar para a fase do desenvolvimento do modelo 3D utilizando as amostras dos pacientes. 

Este modelo consiste, literalmente, em uma cultura celular tridimensional que reproduz as condições in-vivo das interações celulares e expressões fenotípicas. Diferenciando-se das culturas celulares bidimensionais realizadas em superfícies planas, como garrafas de cultivo ou placas de Petri, esse modelo supera as limitações 2D, como a baixa interação entre células e com o microambiente tumoral. Além disso, a estrutura 3D possibilita a criação de órgãos artificiais que se assemelham tanto estrutural quanto funcionalmente aos órgãos humanos. 

Além da fase de cultivo celular, analisado por meio de técnicas de imagem, sequenciamento genético e análise histológica, em um teste piloto Fernandes implantará em camundongos os fragmentos tumorais inicialmente coletados, os quais serão monitorados para identificar e preparar para caracterização do tipo de tumor quando ele atingir 1 cm³.  

Posteriormente, células do sistema imunológico dos pacientes participantes serão integradas aos camundongos, transformando-os em modelos “humanizados”. Isso proporcionará um ambiente mais fiel ao sistema imunológico, permitindo uma avaliação mais precisa dos tratamentos. Assim, os modelos de câncer serão tratados com potenciais terapias inibidoras.  

O trabalho pré-clínico trata-se de uma abordagem controlada e rigorosa, assegurando que todas as decisões sejam tomadas de maneira transparente e responsável.

Embora o uso de roedores em testes de medicamentos divida opiniões, Fernandes destaca a eficácia desse método de estudo devido à semelhança genômica entre camundongos e humanos. O uso de animais em pesquisas é considerado necessário na ausência de evidências anteriores, mas implica responsabilidades éticas conforme estabelecido pela Lei Arouca (Lei nº 11.794, de 2008), garantindo respeito, bem-estar e cuidado. A cientista enfatiza que seu trabalho passa por uma rigorosa avaliação e aprovação do comitê de ética, abrangendo desde a quantidade de camundongos até as manipulações genéticas em cada etapa do projeto.  

Prevendo desfechos: fase clínica 

Embora Fernandes esteja encarregada da fase pré-clínica da pesquisa, isto é, na verificação da eficácia da imunoterapia para remissão de tumores em camundongos, o próximo passo envolverá a condução de testes em pacientes, sob a supervisão de outro pesquisador. Este estágio, conhecido como fase clínica, tem como objetivo avaliar tanto a segurança quanto a eficácia do fármaco em seres humanos. Nesse contexto, serão identificados possíveis efeitos colaterais ou toxicidades por meio estudos controlados nos quais o medicamento é administrado a indivíduos, sendo suas respostas monitoradas de perto. 

Após a conclusão da fase clínica dos testes do medicamento, ele passará por uma série de etapas regulatórias antes de ser aprovado para comercialização e uso. Essas etapas incluem a submissão de dados e relatórios à ANVISA, avaliação da segurança e eficácia, bem como a determinação das condições de uso e prescrição. Uma vez aprovado, o remédio pode ser comercializado e utilizado. 

Ainda que a pesquisa de Fernandes esteja no início, ela já vislumbra as implicações clínicas que poderá trazer ao tratamento de cânceres: “Se obtivermos sucesso, identificando um medicamento eficaz contra tumores, minimizando efeitos nas células saudáveis, será um avanço. Nosso desejo é aprimorar e, no futuro, integrar esses avanços nos tratamentos para os pacientes, após passar por todas as etapas necessárias nos estudos clínicos’, complementa a pesquisadora.

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Que saber mais?

🎧 Ouça a entrevista completa no Imuno Agentes Podcast:

 

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